terça-feira, julho 14, 2009

AVÓ (cont)

....E o passeio continuou, mudando o rumo da conversa e passando de novo para a magia do continente vermelho, agora com as pinceladas alegres e vivas de um Filipe que parecia agigantar-se na tarde que ia caindo, alegre, solto e fluente de descrições animadas. Ora alegres, ora mais sombrias, ora cómicas ora tristes. As vivencia em paragens longiquas, em experiencias novas, prendia completamente a atenção de Inês, que se deixava embalar e a sua imaginação evoluir nas palavras e relatos de Filipe.
O lusco-fusco acabou por desperta-los e lembrar-lhes que havia horas tinham saído do salão e provavelmente tinham a família toda à sua procura. Rindo-se da situação, despediram-se de Bernardo que ficou a acenar dos portões de ferro do Roseiral, com um sorriso aberto na face. Apressaram o passo pelas veredas, rindo da situação e entraram sorrateiros por uma das portas ainda abertas de par em par. As luzes no exterior já estavam acesas, mas parecia que ninguém dera pela falta dos dois. Acercaram-se das mesas e continuando a conversa foram petiscando daqui e dali cada vez mais embrenhados em temas que eram de interesse comum. Filipe estava já tão à vontade com Inês que lhe travou o braço para a conduzir para um canto mais sossegado do salão instalando-a numa poltrona macia e indo buscar para perto dela uma mesinha baixa para onde trouxe comida e dois copos de vinho branco gelado, saído das caves dos seus compadres com o qual se deliciaram ambos. A hora da abertura do bolo de aniversário de Joana aproximava-se a passos largos e todos se reuniram para o tradicional “parabéns a você”, Inês e Filipe juntaram as suas vozes ao coro mais ou menos afinado dos convivas e comeram a meias uma fatia de bolo já que ambos não eram apreciadores dos inúmeros cremes que o cobriam. Fosse por essa fatia comida entre os dois, ou pela tarde que haviam passado a descobrir-se, fosse porque o destino se entretivesse a pregar partidas, essa noite marcou a viragem na vida de Inês.
Uma semana após os anos da amiga recebe um telefonema a solicitar que fosse à embaixada da Tunísia. Estupefacta pergunta o porquê do pedido e quem pretendia falar com ela e sobre que assunto, uma vez que jamais tivera fosse o que fosse com o país nem conhecia ninguém lá. A resposta foi breve; O embaixador pretendia falar com ela e fazer-lhe uma proposta. Sem saber o que fazer ou pensar, tenta falar com Filipe e perguntar o que deve fazer, mas o seu telefone permanece inacessível e assim vai à entrevista marcada com o coração mais pequeno que um bago de arroz. No dia marcado e à hora prevista apresenta-se no edifício, nervosa e apreensiva. O seu fato saia e casaco azul e a camisa branca, a sombra ténue que pôs nas pálpebras e o risco que traçou nos olhos, o conjunto de safiras, bem como os sapatos de salto que sempre usa, dão-lhe um ar a um tempo elegante e jovial, só o sorriso treme no rosto. É conduzida a uma antecâmara onde lhe é pedido que aguarde um pouco que a secretária do embaixador virá busca-la. O que acontece passados poucos minutos. Uma mulher de meia-idade baixa e de aspecto eficiente, com um sorriso indulgente no rosto leva-a até à porta forrada a carvalho que abre devagar anunciando a chegada da rapariga. Um sorriso de satisfação e um olhar atento, recebem-na no homem alto e impecavelmente vestido que apressa o passo para lhe pegar na mão e cumprimenta-la rindo com gosto da expressão de espanto e admiração gravada no rosto que para ele se eleva. Inês, esperava qualquer pessoa, menos Filipe em carne e osso. Achara muito estranho o telefonema, mas nem por um segundo lhe ocorrera pensar que a mão dele estava por trás de tudo. Deixa-se cair no cadeirão sem conseguir articular uma palavra. E quando os ânimos se acalmam ele explica-lhe o motivo do seu contacto.

Vai partir em breve pelo continente africano, as férias foram curtas e a missão de negócios com os países árabes e asiáticos continua. Tunísia a “sua” embaixada será a primeira paragem, depois é o périplo africano. Consultou, pediu e aprovou as credenciais dela, pediu aprovação superior e tem para lhe oferecer o cargo de o secretariar e acompanhar. A sua secretária ali não pode deslocar-se mais, porque se vai aposentar, e não tem saúde para o clima africano, já viveu muitos anos no estrangeiro, acompanhando os embaixadores chegara a hora de se retirar. Estaria Inês disposta a aceitar o desafio? Seria ela capaz de seguir Filipe? Concretizar um sonho, crescer, e desenvolver os seus dotes até então tão subaproveitados? Muda de espanto e com a cabeça a rodopiar, olha para ele sobre a secretária, tentando ordenar ideias, tomar decisões, e dar uma resposta coerente numa fracção de segundos que aos dois pareceu uma eternidade: - “Sim! Sim, claro que sim!”
Feitos os preparativos, tratada da documentação toda, chegava a hora da partida. À medida que o tempo se aproximava, as dúvidas assaltavam a jovem, os receios de se ter metido num voo alto demais para as suas pouco experientes asas. O medo de fracassar pondo em risco um país, acordos governamentais e o bom nome e figura de Filipe, deixavam-na noites sem dormir. E o dia finalmente despontou, radioso e ensolarado. As malas prontas, os documentos em ordem, as contas saldadas, os móveis cobertos, o carro na garagem dos pais de Joana, os peixes e a tartaruga entregues aos cuidados da amiga e na alma a esperança, o sonho, o desejo e a força de concretizar um projecto. Uma apitadela diz-lhe que é hora de elevar uma prece aos céus, fechar a porta atrás de si e embarcar numa nova vida. No carro o rosto alegre de Filipe, saúda-a e encoraja-a a olhar com força para o caminho que ele lhe oferece.
África, a misteriosa e bela África! Rende-se a seus pés. Dali em diante e enquanto não se familiarizar com o ambiente terá que aprender a confiar em Filipe, seguir Filipe, aprender de Filipe. Será como cego guiado pela mão, e que mão se estende para ela! Instalado no seu gabinete de sempre, instalada no espaço que aos poucos via fazendo seu também, aprende a ser senhora do mundo, livre como as aves, aprende costumes novos, descobre uma miríade de situações que tem que dominar, saber, perceber. É como esponja que se ensopa de água e cresce, dilata-se. Filipe vai aperceber-se que o seu palpite foi um tiro certeiro e que a escolha não podia ter sido melhor. Inês é uma fonte inesgotável de surpresas, adapta-se com a maior das facilidades aos salões muçulmanos, cumprindo sem erros os rituais, como aos bairros dos subúrbios onde as galinhas e os gatos, esgravatam o mesmo solo seco e árido, ou os souks de mil cores e cheiros, onde o dinheiro é lavado e o turista enganado. Ou ainda o agendamento correcto e meticuloso da agenda sempre carregada, sem que falhe uma recepção, um jantar, uma reunião, uma ida ao ginásio, ou uma partida de squash, ou a canoagem no fim-de-semana. Inês é eficiente e atenta e a terra africana exerce nela um fascínio que não sabe explicar. Sempre que pode, passeia, visita, estuda, faz amizade, e no círculo onde agora gravita fácil é encontrar quem lhe encaminhe os passos, quem a “eduque”.
Os cheiros, as cores, os mercados, as especiarias, a religião, a língua, os hábitos, os costumes, a maneira e viver, tudo se cola à pele, tudo a faz vibrar. Em breve se torna africana, árabe, muçulmana, multifacetada como a cultura. Viaja com Filipe para onde quer que ele vá em serviço e em breve é ele que não prescinde da sua companhia seja em que circunstancias for. No trabalho e no lazer. É assim que depois de conhecer os países em serviço fazem viagens de estudo, de turismo e aprendizagem.....
(Continua)

1 comentário:

Whispers disse...

Querida Amiga!
Pena que não escreves um livro.
Me perdi no teu conto,viajei no lugar de Inês,e pensei que talvez seja tempo de também eu fazer as malas e caminhar em caminho diferente.
Parabéns,minha querida amiga,tua imaginacao vale ouro
Beijos mil em teu coração de ouro
Rachel

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